segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Propostas da Vera Guasso

Vera Guasso pretende administrar com o movimento popular

11/8/2008
Por Guilherme Kolling, João Egydio Gamboa e Paula Coutinho (Jornal do Comércio)

O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) tem 1.800 filiados no Rio Grande do Sul. Cerca de 200 são militantes ativos. A mais aguerrida é, possivelmente, a candidata à prefeitura de Porto Alegre Vera Guasso. Ela é presidente do partido no Estado desde que a sigla foi registrada, em 1994.
Esta é a segunda vez que disputa o paço municipal - a primeira foi em 2004. Também se candidatou à vereadora, em 1996, à deputada estadual, em 2002 e à senadora em 2006 - foi sua participação mais expressiva, recebeu 50 mil votos em todo o Estado. Antes, na década de 1980, foi duas vezes candidata a deputada estadual pelo PT, partido do qual foi expulsa, no início dos anos 1990.
Na segunda entrevista da série com prefeituráveis de Porto Alegre, o Jornal do Comércio apresenta as idéias de Vera Guasso. Ela admite que é difícil ganhar a eleição sem uma coligação, mas não faz concessões. "Não vendemos nosso programa para nos elegermos", explica. Suas propostas são atuar com prevenção na saúde, mobilizar a população para melhorar a segurança e contar com a base do movimento popular para governar a cidade.

Jornal do Comércio - É possível vencer uma eleição sem uma coligação maior?
Vera Guasso - É muito difícil. Mas o PSTU é um partido programático. Não somos uma sigla de aluguel, como muitos partidos que vemos. Também não vendemos nosso programa para nos eleger. A eleição tem que ser conseqüência. Claro que queremos ter vereadores em Porto Alegre. Aliás, já poderíamos ter. Júlio Flores (PSTU) fez 5,5 mil votos, foi o trigésimo mais votado na eleição passada. Não foi eleito por conta do famoso coeficiente eleitoral.
JC - A senhora acha justo esse critério?
Vera - Completamente anti-democrático. Elegem-se pessoas, às vezes, com 1 mil votos, menos do que isso em Porto Alegre. Poderíamos ter vereadores. Mas temos que enfrentar o poder econômico. O PSTU talvez seja o único partido que não aceita dinheiro de empresários. Tem um ditado que a gente segue: "Quem paga, pede a conta depois". Não queremos ficar devendo para ninguém. Temos responsabilidade programática com os trabalhadores, com a juventude, com o povo pobre. Temos essa dificuldade financeira.
JC - As campanhas estão cada vez mais caras...
Vera - Sim. A gente chama de BBB. Quem faz um programa mais bonito, mais colorido, aquela empáfia toda, de quem tem o marqueteiro mais conhecido.
JC - Sem representação na Câmara de Vereadores, como a senhora pretende administrar Porto Alegre?
Vera - A administração deve contar com o movimento popular e social. É fundamental. Não teríamos derrubado a ditadura se não tivéssemos ido para as ruas. Não teríamos uma legislação trabalhista, por menor que seja, se não tivesse a luta social. Com mobilização social, com conselhos populares, com o povo sendo chamado para discutir, teremos uma administração que vai andar, que vai realmente por em prática um programa que beneficia a maioria da população de Porto Alegre.
JC - Não há uma afinidade com com o P-Sol? Por que não houve aliança?
Vera - Estivemos juntos em várias lutas e experiências programáticas com o P-Sol. A luta contra a reforma da Previdência nos uniu. No ano passado, fizemos uma marcha a Brasília com o movimento sindical. O que está nos separando nesta eleição - embora achemos que a esquerda tenha que se dividir - é a coligação do P-Sol com o PV, o que para nós é inadmissível. Queríamos repetir a Frente de Esquerda de 2006 em Porto Alegre, com P-Sol, PCB e PSTU. Fizemos um esforço. O problema é que o P-Sol escolheu um partido que não é aliado da causa dos trabalhadores. O PV está no governo Lula. Inclusive o candidato a vice do PV foi da prefeitura de José Fogaça. Teve um cargo de subsecretário no início do governo. Estamos com o PCB, porque não abrimos mão da independência política de partidos de aluguel, que estejam em aliança com o governo Lula ou com os setores da burguesia.
JC - O PSTU tem poucos militantes, mas são bem ativos. Há poucos anos, em qualquer manifestação contra FMI, fora FHC, Bush ou até contra o aquecimento global havia ativistas e bandeiras do partido. Hoje não mais. O que houve?
Vera - Estivemos recentemente no "fora Yeda". Participamos em 2007 da luta pela Previdência, contra as reformas. Fomos a Brasília há 15 dias, na luta para a educação. Estamos na luta social e estudantil. Se não tiver a luta social por trás, teremos problema.
JC - Quais os problemas de Porto Alegre? A senhora tem um programa de governo?
Vera - Estamos discutindo. Somos um partido programático, usamos a eleição como debate. Uma boa parte da população não tem direito à saúde. Outro problema gravíssimo é a questão da consulta a especialistas. Principalmente entre o povo mais pobre que precisa desse atendimento e não consegue. Então, defendemos, primeiro, a prevenção. Mais postos de saúde, assim como os postos 24 horas. É inadmissível vir da Restinga para ir ao Pronto Socorro. O governo Fogaça é vergonhoso, pois não usou nem a verba que tinha. Conseguiu piorar as coisas que já estavam ruins. Na educação, achamos que a questão prioritária é o problema da educação infantil.
JC - O governo José Fogaça rebate que construiu dezenas de novas creches.
Vera - O problema é que o déficit é muito grande. Tem que ver quantas vagas são. A necessidade aumenta com o crescimento da população. Já tínhamos um déficit. Na educação de ensino fundamental, há uma perda no sentido pedagógico. É um retrocesso, achamos que é necessário retomar um debate pedagógico na escola, porque hoje ela é o resultado de toda uma crise social. Há agressividade nas crianças, violência, drogas.
JC - Na área da segurança, a senhora é a favor de armar a guarda municipal?
Vera - Não é preciso mais armamento. O foco é social. Nesse sentido, o que é decisivo é emprego, saúde e educação pública de qualidade. Como se faz emprego? É possível qualificar pessoas desempregadas para cumprir tarefas iniciais em obras públicas, na construção civil, um setor que está crescendo muito. Defendemos uma nova estrutura na segurança.
JC - Como seria?
Vera - As comunidades podem fazer sua segurança, organizar um mecanismo nos próprios bairros, nas vilas. Defendemos a criação dos conselhos populares, diferentes do Orçamento Participativo. Através dos conselhos, a população se organiza e inclusive discute todo o orçamento.
JC - Como funcionaria uma reunião desses conselhos populares?
Vera - Cada bairro vai definir a sua maneira. Com pessoas que estão ali, que conhecem a população, que sabem quem são os moradores. É um mecanismo para ajudar as pessoas a lutar por um posto de saúde, a lutar por uma creche. É demagogia, por exemplo, dizer que vamos resolver o problema dos moradores de rua, se não dissermos que vai ter emprego e políticas públicas que envolvam essas pessoas, que tirem elas e seus filhos da esquina, da criminalidade. Outra questão que vamos abordar é o problema do transporte. Defendemos um transporte público de qualidade.
JC - O transporte de Porto Alegre é considerado um dos melhores do Brasil.
Vera - Mas tem um preço caro. A Carris é um exemplo de que o transporte na Capital poderia ser todo municipalizado. Isso garantiria o barateamento da passagem, para dar passe livre para estudantes, desempregados e idosos. Há também o projeto do metrô. A maioria das Capitais já está em processo de construção. Se tivermos um metrô e um ônibus mais baratos, dá para diminuir o número de carros na rua, facilitando o trânsito na cidade.
JC - Qual sua opinião sobre a lei que determina o fim das carroças em oito anos?
Vera - É preciso dar alternativas para essas pessoas. Isso é um trabalho, não é brincadeira. Afinal, quantas árvores, no caso do papel, deixamos de derrubar? Quantos plásticos vamos deixar de colocar nos riachos e no Guaíba com esse material reciclável? Mas tem que dar garantia para se tirar as pessoas e os animais dessa situação em pleno século XXI.
JC - Com tão pouco tempo na televisão, 1 minuto e 9 segundos, e poucos recursos, como a coligação vai divulgar as propostas ao eleitor?
Vera - É um malabarismo. Já tivemos 20 segundos na televisão. Então, 1 minuto e 9 segundos vai ser um latifúndio bem produtivo. O tempo é curto realmente, mas é possível apresentar nossas principais propostas. Tem gente que usa 10, 15 minutos em televisão com aquelas musiquinhas... A gente panfleteia nos locais de trabalho, nas entradas das escolas, na Esquina Democrática, na Redenção, nas vilas, no corpo a corpo. É desigual, mas a gente enfrenta. Mas uma coisa é um contra-senso, falta de democracia. As redes de televisão e de radio não estão nos chamando para o debate. Dizem que é a regra eleitoral. A regra não diz que não podemos ir. Eles na verdade usam uma regra inversa. A justiça eleitoral diz que é obrigatório convidar quem tem representação parlamentar, mas não significa que nós não podemos estar. A única candidatura em Porto Alegre que não está no debate somos nós. Defendemos que todos os candidatos têm direito, pois televisão e rádio são concessões públicas.
JC - Como avalia a estrutura da máquina pública no município? Pretende reduzir secretarias e CCs?
Vera - Quanto às secretarias, é possível dar uma reorganizada. Temos que juntar umas, resolver outras, enfim, reestudá-las. A questão dos CCs é vergonhosa. Como sou sindicalista, conheço por dentro a situação. Hoje tanto as secretarias como as empresas públicas estão sendo usadas como facilitadoras, como empregadoras de indicados pelos partidários da prefeitura. Os estagiários, por exemplo, vão cumprindo o período máximo de dois anos e depois vão para uma empresa terceirizada ou ganham um CC. Funciona como cabide de empregos. E isso não começou com o Fogaça, começou na administração petista. É um mecanismo dos partidos de administrar uma forma de privilégios. Defendemos praticamente o fim dos CCs, que devem ser 10% do total de servidores.
JC - Mas a senhora vai substituir o CC por funcionário de carreira?
Vera - Tem que ter contratação através de concurso público. A maioria das secretarias tem necessidade de pessoal. O trabalhador de carreira faz um trabalho para atender à população. Na prefeitura há muitos servidores com a formação técnica e úteis ao serviço público. Vamos chamá-los para discutir projetos e fazer parte da administração.
JC - Um dos temas em destaque é a questão da orla do Guaíba. Qual a sua visão sobre isso?
Vera - Logo que terminou a construção da avenida Beira Rio, o governo Collares tinha um projeto de fazer espigões e hotéis, que acabou, felizmente, sendo derrotado. A orla do Guaíba deve ser da cidade, pública, e não privada. Há pouco vimos o projeto do Pontal do Estaleiro que prevê espigões, shopping center, barrando a ventilação da cidade. O Guaíba tem que ser público, com a participação da população, como a ponta do Gasômetro, onde as famílias vão nos finais de semana. E no Cais do Porto tinha um projeto que previa um pólo de cinema. Não se ouviu mais falar disso.
JC - Essa sua preocupação entraria no Plano Diretor?
Vera - Essa é uma disputa de peixe grande. Achamos que é possível ouvir os interessados, a população. Aproveitaríamos a preservação de moradia, de qualidade de vida. Estão ouvindo só o poder econômico, que manda, que tem botado dinheiro para eleger os prefeitos de Porto Alegre. É parecido com outro debate, porque não tem data, o da travessia Porto Alegre-Guaíba por barco. Faz 15 anos que a gente escuta a conversa de que seria mais barato, mais rápido e mais seguro.

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